segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Cárceres


Os trens não me podem levar às galáxias, não os há,
e as andorinhas estão presentes com o verão em suas asas.
O banzo ancestral me impede de recordar seu rosto,
o rosto do meu avô, de minha ama de leite,
da cara dos fantasmas encarcerados no baú do quarto.
No peito, sufocados suspiros, ais de menino mimado
que lamenta a perda do brinquedo, o leite derramado, a tunda,
o castigo e o “Piraí” estalado nas pernas finas de saracura três potes.
Os trens não me levam daqui e os livros ainda não se lêem,
de páginas secretas e arabescos insondáveis: “_b-a-bá!”
A rua enladeirada pés não pisam e o automóvel a garagem interdita,
 todos os burricos são xucros não se deixam montar.
No canto do alpendre o mosquito se enrola
na teia da aranha em que todos estamos presos,
não importa a inocência, a culpa ou as asas.
O passado prendeu meu tio que matou por amor,
e o tio do meu tio, por demanda de terras.
Bicho-papão também não há, a luz elétrica espaventou
e no quintal Totó acorrentado, para não molestar as visitas.

Francisco Ferreira
Poeta

Na brisa do mar


Na brisa do mar
Os passos vão para longe
Distanciam-se de ti
Para um novo acolher
No local onde tu não estas
Mas, eternamente viverás

Do fundo do mar azul, espero
O nosso novo encontrar
A saudade fica presa a ti
E o desejo recorda em mim
Na distancia de um novo despertar
De um tal amor que nos une

Em cada regressar, adormeço
Solenemente na maresia do teu olhar
Sinto de novo o sabor a ti, salgado
Devolves-me o desalento de te esperar
Voltamos a viver nesse momento
O sentido azul de saber amar

Espera-me em ti que eu lá estarei
A cada passo de distância
Um novo mundo se levantará
Para outro maior voltar-mos a realizar

Infindável horizonte onde estarei
Sempre
Para te levar

Joana Fernandes
Poetisa

Primeira carta ao céu


Oh, manto azul que envolve a península esférica
Que me galga em pensamentos idílicos
Cubra-me também nesse momento cítrico
Pois minha razão não espera de tão histérica

Já farto da côdea oferecida seca arrefecida
Peço incessante para ao menos fitar seu horizonte
Já não mais suporto sobre meus olhos o peso do monte
E o frio da iniqua nevoa de mãos umedecidas

Trazei-me teu acalento em um sopro de seus divinos ventos
Trazei-me o brilho de teus astros fátuos

Dizei-me o caminho de teu quente ninho
Dizei-me como sair do descaminho

Pois o tempo que nos tornará um não demora
E apreça-se mais pelas mãos úmidas
Venho desejar de ti nossas mentes eternamente unidas
Mas de tudo o que eu mais quis foi não ir embora

Erick Silva
Poeta

Trapos de lembranças


Calço meu velho par de botas.
Cai bem com meu sobre-tudo surrado.
Saio pelo sereno de uma quase manhã.
Meus lábios roxos e trêmulos.
Minhas mãos se escondem,
em meus bolsos furados.
Caminho pisando em possas.
Possas que me ensopam.
Possas que me enfraquecem.
Me vejo em trapos.
Um triste trapo de boas lembranças.

Letícia Borges
Poetisa

Verdadeiros heróis


Foram me enrolando pouco a pouco
Foram calando minha voz
E devagarzinho fechando os meus olhos
Com um domínio cada vez mais feroz.

De repente veio um golpe,
Com uma peneira cobriram o meu sol,
Mas lá fora para todos eu era só beleza
Visto como o país do futebol.

Enquanto isso dentro de mim,
O meu cérebro prenderam,
Amordaçaram minha boca,
Os meus filhos por mim morreram.

Os militares da verdade
Fizeram de mim seu quartel,
Mandaram na vida e na morte,
Na linha dura queriam o mel.

Mas meu povo muito guerreiro
Mostrou a força de sua união,
Resistindo a ganância dos ditadores
Tornaram-se verdadeiros heróis da nação.

Jéssica Lima
Poetisa

Fixação da Forma


A forma não informa
Não forma a poesia
A forma não informa
A mente vazia
Nem toda forma
É vazia
Mas forma que informa
É rebeldia
Minha forma é cheia
De poesia
Minha poesia anseia
A mente vazia

Erick Silva
Poeta

Ser por si


Rendi-me à difícil tarefa de ser eu mesma
Estou vendada em uma floresta
Entregue aos lobos, a mais fácil presa
Daqui eu não saio viva, daqui eu não saio
Pois me seduz a sinceridade do instinto
Que não se encontra na fantasia do cordeiro
Inocente em sua farsa que não pressinto.
Rendi-me à difícil tarefa de sobreviver por mim
Sem esperar do outro um pretexto
Sem mais temer o tão temido fim.

Yáskara Fabíola
Poetisa

domingo, 14 de outubro de 2012

Renúncia



Não quero de tua face
Arrancar nenhum olhar
Nenhuma palavra ou confissão

Não quero de tua boca
Exalar o gosto e os perfumes
Dos outros corpos cansados
Que com vigor consomes

Não quero extrair de ti
O sentimento
Inconstante que te habita
A esperança irreal
Que me alimenta a alma aflita

Então não olhes pra trás
Dê-me um beijo de adeus
E se uma súplica surgir em meu olhar
Desvie teus olhos dos meus.

sábado, 13 de outubro de 2012

Rubor



Cogitou em ter-me,
Mas conteve-se em
Fantasiar-me -
Tocar-me,
Despir-me com seus olhos profanos.

Conteve suas mãos na encruzilhada,
Desviou-se,
Represou tentações.

Conteve as batidas eufóricas,
O suor insistente,
O rubor que vez ou outra lhe traia...

Conteve o desejo em possuir-me,
Inspirar-me novos versos,
Fazer-me tua, simplesmente.


Rayane Medeiros
Poetisa

sábado, 6 de outubro de 2012

Cinzas


"Não mandarei
Cinzas de rosas
Nem penso em contar
Os nossos segredos"
(À sua maneira, Capital Inicial)


Enterro agora – Sem choro e sem flores,
Os versos que te escrevi tão solenemente.
As lembranças mais profanas;
Os beijos sugados entre uivos;
A vontade em tê-lo Norte...

Enterro sem luto;
            Sem remorso,
O diabo de paixão que a ti devotei -
                           Arbitrariamente.


Rayane Medeiros
Poetisa

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Zero


Ele pode ser nada,
Mas pode ser tudo.
Ele pode diminuir um valor
Ou dobrar um número.

Se era 1 logo vira 10
E o contrário também o faz,
Se era 10 pode ser 0,1
A diferença da posição o número refaz.

A vida pode ser comparada ao zero
Pode ser tudo, pode ser nada,
Depende de onde coloca-se o número
Qual o valor de sua pegada?

Jéssica Lima
Poetisa

“Em espessa e úmida noite”:


É uma espessa e úmida noite,
Onde as verdes velas – que fervilham
Em obscuros misticismos – ardem
Indolentemente sob o olhar vítreo
Que dirijo até à tua sombra,
Adensada apenas pelo suor
Dos corpos que atiçam o desejo.

Tudo está longe, distante como
As estrelas que tremem solitárias,
E nós não compreendemos o meio
Das horas se escaparem – e o tudo
Que de mais venerável amparamos
Se esvai pelos ralos do Tempo…
A noite prolonga o seu declínio.
Atraídos pelo silêncio do murmúrio
Da nossa secreta canção de amor,
Somente nos distanciamos, vis,
Em contrastes de repulsa e paixão,
Invariavelmente pulsando no
Pequeno âmago que nos compõe,
Ainda que entregues estejamos
A esta infrutífera proscrição.

Mas como amo esse corpo de luz!
Teus cabelos de finíssimo cobre,
Teus olhos de verde marítimo!
És um sonho meu decalcado,
Sempre soube isso em mim…
Como desejaria apertar teus seios
Contra a virilidade do meu peito,
Segurar em tuas coxas com vigor,
Perder-me nos segredos de tua púbis…
Esvaziar uma secretária e dela
Fazer um amplo leito de amor!
Teu ventre tem os segredos da alma,
Teu enigmático sorriso as rimas
Que sempre ensejo capturar…

Nesta hora, não roubo beijos teus,
Doces como a brisa que me refresca;
Continuas nos trilhos desse mundo
Que, oculto, avança por teu ser,
Fazendo de ti aquilo que deveras és.
Navegas por oceanos mitológicos
E eu suspiro por ser o teu herói grego.
Na memória, ilusões de outras noites,
Onde o fogo passional nos consumia
Até à declarada exaustão, onde nos
Desdobrávamos em beijos e em
Tão coordenados movimentos,
Numa dança de maré ao ritmo
Dos nossos corações sedentos.

Mas o espectro da noite quente
Prende-nos ao vazio do espaço
Que languidamente ocupamos…
Por demais fatigados para resistir,
Caímos em um sono acordado.
Despertar-me-á o teu amor?
Os instantes fervem a dor que,
Incômoda, lateja em meu peito.
Não sei de sua certa origem,
Mas sei-a como estranho corpo
Em hora que seria perfeita –
Como chuva que tomba, fora
Da sua adequada estação.
Poderia ser diferente? Colorido?
Passam os instantes e enruga-se
A folha onde outrora esculpimos
O mais sublime dos poemas…

Pedro Belo Clara
Poeta

II


Invades-me, serenidade meiga
amiga dos momentos de triste solidão
De quão perdida me encontro, isolada na multidão
És uma luz nos momentos sombrios
Acalmas uma mente desajeitada, um coração inútil
Não fosse ele estar preso aos becos de saudade
Do que fomos, do que sentimos, do que vivemos

Não podemos sempre ficar, quando o movimento nos pede
Quando a necessidade nos acolhe num lugar diferente
Quando nos sentimos unicamente obrigados
Pensamentos de quem esta descontente
É o fado da vida no qual queremos vingar
Fugindo do desprezo do real, no acolher
Deste lugar ao qual não pertenço e que tanto me faz sonhar

Joana Fernandes
Poetisa