terça-feira, 30 de agosto de 2011

Odes do Catador




Caminho – o mundo é minha plena solidão,
Do que imaginei um dia ser minha salvação.
Catador de espumas – meu ser pleno de alegria –
É hoje silêncio e nostalgia;
Naquilo em que acreditava – piamente minha alma
Se rendia, ante esse deus em mim...

Cansado deste meu ser –
Apenas um entre milhares –
Passo a navalha na carne,
E sangro-me o que já fui...
Agora, pela rua, a solidão acumulada,
Meu ser se dilacera – mil fontes acabadas...

Quantas pessoas, meu Deus,
Quantos homens, agora, pela rua? (...)
Enquanto a madrugada em mim se avizinha
E quando milhares de exércitos já foram vencidos
E milhares de bocas beijadas, daquilo que sonhei,
Um dia, ser o irreparável instante.

Eu mesmo – esse ser impregnado de nada –
Já tive minhas ilusões perdidas,
Já tive – oh, Eu inebriante –
Um sonho além de mim!

Caminho pela rua,
A solidão me sufoca.
Quem sou, agora, depois da plenitude,
Senão a fagulha do que nunca me alcançou?
Sinto-me assim, desvairado, atento senhor
De Mim e nada mais.

Lá fora, meus eus se avizinham,
Eu cato as ilusões dos bosques.
Sou pleno e falho – secamente enluarado
Pela ideia de si.

Meu coração pranteia sonhos perdidos
E na escalada da noite – imensamente só –
Apenas teu corpo de acrobata me vigia
As pálpebras sem luz...

Escalo teu corpo, teus poros me ultrapassam a carne
Em despedida...
Sou mesmo plenamente a ferida
Do que me machuca a carne,
Do que me calcula a mente,
Do que me disseca os olhos...

Escalo teu corpo –
Oh, manhã! –
Teu corpo cingido de silêncio,
Teu corpo, sim, teu corpo além do virulento
Aspecto marcial!
Teu corpo – além das carnes e dos nervos –
Teu corpo – além dos ossos e tendões –
Teu corpo, minha Calipso isolada
Em sua ilha!
Teu corpo como névoa,
Teu corpo como inverno
Daquilo que sempre é cultivado;
Daquilo que sempre é arrancado.
Teu corpo uva – meu suco, meu vinho, meu devaneio...
Teu corpo pólvora, que explode o bem em mim...
Teu corpo em erupção – excêntrico ventre
Que desmancha as horas sabidas!
Sim, teu corpo de bailarina
Que desenha ilusões multiformes
Em minhas pupilas de avestruz!

Oh, este coração que gela
Solidões aniquiladas,
Que espreita os homens na esquina,
As conversas miúdas das mulheres em flor...
Sim, este coração que poderia não existir,
Batendo como um martelo dentro do peito,
Ferindo o que me restou da alma,
Expurgando o silente momento de mim!
Sim, este coração de pedra,
De aço,
De pó,
De carne soprada da boca de Deus.
Sim, este coração baila dentro de mim,
Quer sair, quer viver, quer sentir
O toque de tuas mãos pequenas,
O suor do teu rosto de abóbora,
O beijo de tua boca de avelã!

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Murmúrio.

Procurei teu sorri...
Zombei da sauda...
De tanto lamen...
Tonto fiquei.

Pra não ver vo...
Cedo acor...
Dei voltas nas ru...
As moças saudei.

Procuro você no rosto de ou...
Trago essas marcas, dores que car...
Rego estas flores, que não te darei

O pouco de poesia que esca...
Parece incompleta, versos murmura...
Doses pequenas do amor que te dei.

domingo, 28 de agosto de 2011

Cânticos dos Pássaros




Cante para fins alternativos,
Pois esta hora os mares invadiram os vilarejos...
Trágicas mortes que lavam, com sangue,
As calçadas do podre mercado de peixe.
Já não mais saberão o valor do nascer do sol
Quando nenhum olho estiver vivo ao amanhecer.
Quem cantará junto aos pássaros?
Quando no mundo não houve tamanha desgraça,
Ecoará, dentre os mares e florestas,
Subirá ao topo de gélidas montanhas
Arderá no coração da terra,
Como água salgada do mar
Ao penetrar em vossos pulmões!
Artimanha geniosa da natureza,
Resumir a desgraça da humanidade
Na mais pura beleza,
Transformando humanos em alimentos
Para animais que tiveram
Antepassados sacrificados ao longo do tempo
Já não haverá temor entre aqueles que vivem.
O pior já não estará mais entre eles.
Não restará nada senão a liberdade.
Estranho é imaginar e esperar
Que isto um dia torne-se realidade.

Thiago Rafael
Poeta

Sepultamento




Os meus olhos pregados
no infinito
como os pregos nas tábuas
cravejados,
e de pontas viradas,
redobrados,
sustentados e fixos
numa curva.
No aconchego da madeira macia,
minhas costas
nos ossos da bacia
consolam meu corpo
tão curvado.
Pelo tempo que tenho acumulado,
a ferrugem do mundo
me comeu,
e a tampa que pregam
me prendeu
para sempre num rito consumado.
Por debaixo da terra
condenado
a ser parte da mesma
e não ser eu.

João Felinto Neto
Poeta

Cheiro, você




de M. Grenouille a Beatriz

Seu sangue tinto é vinho, ferroso cheiro da lâmina
Engoli cem sílabas do seu hálito sem mastigar o perfume de uma vogal
Cheirei sua respiração enquanto dormia, deliro a cada resfolegar
Oleosos olhos castanhos, cabelos de cachos inebriantes
O vento que beija seus caracóis entorpece e engana meus sentidos
Seus pelos mais novos ainda têm o cheiro da sua derme
Você é a última virgem, a essência, eu, um assassino
Vou mais longe e tento cheirar suas entranhas para descobrir a fórmula do amor.

Aníbal Mascarenhas Filho
Poeta


Ilustração: Foto do blog http://fernandadocepimenta.blogspot.com

Intransitável




Divago, de vagar, sobre andar
E amar, verbos intransitáveis,
Jornadas de difícil caminhar.
Entre o céu e o mar bravio
Desvario, vazio, navio
À deriva sem porto, sem mestre,
Sem destino, desatino – sou eu
Ou a minha sina de ir e vir
Sertaneja que caça espaços
Abertos longes e pertos, para
Não ficar e se converter numa
Estátua de sal, amarga e
Ressentida por estar e não ser,
Enxergar e não ver, ser ou não ser?
Traços dos meus passos, malmequeres
Despetalados, papéis de cartas
Marcadas com lágrimas e furor
Jazidas entre as paginas de um
Diário com folhas em branco,
Denunciam, mais que testemunham
O mau ofício caminheiro:
Não sou quando estou, ausento-me
Quando estou perdidamente só.

Pedro Simões
Poeta

Sem ver o porto




Minha flor,
Por que me abandonou?
Pensei que ficaria para sempre no meu jardim.
Bem, amor não lhe faltou,
Mas parece que você,
Deixou de gostar de mim.

Então, antes que essa outra mão,
Com ímpeto, lhe arrancasse do meu coração,
Queria que soubesse,
Que raízes da sua flor
No meu peito se enraizaram.

Agora, um temporal
Vejo nos meus olhos se formar,
Pois noto que essa dor
Ainda não consegui superar.

Portanto, sem ver o cais
Encaro essa tempestade em alto mar:
A falta que você me faz.


Sousa Neto
Poeta


sexta-feira, 26 de agosto de 2011

18.980


3.179.546 passos caminhados
de mãos dadas
 3.380 lágrimas choradas
de dor compartilhada
e alegria dividida
18.980 manhãs acordadas com beijos
e café quentes
Entre partidas e chegadas,
18.980 noites dormidas
no repouso do mar do outro,
o lar, a vida.
52 anos de casados.
Quanto de amor se terá amado?
Quanto de amor se terá vivido?
Nunca se saberá.
Amor é sem medida:
Não se pode calcular.

Campos


Tenho ideias de porteira sem cerca:
Posso parecer estreita, mas trago em mim a
infinitude!

Indigestão

No quarto
vazio,
nas noites
de chuva
e na multidão.

Meu esconderijo
calabouço
de tortura
e prisão.

Em meio a
nada,
És tu,
tudo o que
me resta,
Ó indigesta solidão!

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O aniversário de minha morte




Não, não vos falo do além, se é possível
A carne, a tenho em estado perfeito
E, a contragosto, ainda sinto no peito
O palpitar d’um órgão desprezível.

D’outra morte padeci, mais terrível
Que a do que dorme em derradeiro leito
E, de bom grado, mais rogo que aceito
Que em mim sele a condição perecível.

Avesso ao que rege o instinto, pelejo
Contra a vida, e mesmo cogitaria
Por minhas mãos dar-me o sono que almejo...

Em estar vivo, não me há serventia
Se, no amar, esperança alguma vejo
Que razão, pois, no viver mais veria?


Pedro Mota
Poeta


terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Nascer do Poema




A João Cabral de Melo Neto



O poema nasce,
Fibra por fibra,
Na rigidez
Desse amargo;
Na altivez
Desse enlace;
Na sensatez
Do insensato:
Fatos e marcos.

O poema nasce,
Sua carne/face
Nas ruas, presas
Do cotidiano;
Seus mesmos
Efeitos nas
Mesmas solidões
E desafetos;
No mesmo
Homem sem nexo.

O poema nasce,
Frutos e abrolhos;
Restos de palavras
Soltas, arruinadas,
Medidas nos espaços
Da folha de papel;
Jogadas, como a
Sementes, no fértil
Do papel, no solo
Branco do papel.

O poema nasce,
Seus partos na
Floração também
São nascimentos
De outras florações;
Também a certeza
De outros fecundos
Pensamentos
Semeados na
Imensidão de seus
Versos não escritos.


Ilustração: Salvador Dali

domingo, 21 de agosto de 2011

Silêncio nas Palavras




Um dia me disseram que silêncio também é resposta.
Que as palavras, às vezes, não comunicam.
Que é necessário ouvir mais que falar.
Que isso nem sempre é consentir.
Faz-se necessário sentir.
Silenciosamente
O silêncio
Silencia


David Rodrigues
Poeta

Apelo à miséria




Quem me dera, miséria,
eu fosse parte
de um baluarte de sonho e de quimera.
Pela boca mantém-se assim o povo,
a lavagem é a comida que a si, dera.
Na vergonha de reconhecer-se porco,
ter o rosto metido na sujeira,
enlameado atrás de uma porteira
seu anseio é mantido na espera.

Quem me dera, miséria,
eu me calasse
e ocultasse o meu rosto na janela.
Meus princípios mantêm-me assim exposto.
Sou mau gosto travado na goela.
Quem engole as palavras que eu digo
traz de volta a vontade de lutar,
elas tocam a ferida no umbigo
que o conformismo já ia cicatrizar.

Quem me dera, miséria,
quem me dera,
que de ti eu pudesse me livrar.


João Felinto
Poeta

O rio e o mar




Leve corrente de ar corriqueiro
Afagou e cessou as águas do mar,
O rio incessante viajou sem roteiro
Sublime instante de um singelo hesitar.

Esperança emergiu do fundo às margens,
Transpareceu a coragem que aos poucos fugia.
A maré indecisa refletia as imagens,
A balbúrdia pairava e o tempo corria.

Na espuma a leveza do eterno calar,
Constando a beleza da palavra esquecida
Eram as águas do rio nas ondas do mar...
Reproduziam os ecos da correnteza aquecida.

Mas o vento levou as ondas e deixou o tormento,
As lágrimas secaram a nascente sem vida,
O enlevo marcou o suave momento,
Um breve romance na paisagem aturdida.


Ana Rita Lira
Poetisa

Torpor




Teu cheiro ainda está gravado
Em meu corpo -
Me inebria,
Me deixa torpe,
Ardendo em teu pecado prazeroso.

Tuas mãos ainda deslizam
Pele abaixo -
Afáveis,
Sem consentimento,
Submissas às lembranças que já me é um tormento.

Teus olhos me fitam insistentes
E me convidam,
Me desarmam,
Para juntos adormecerem
E no paraíso se perderem.

Teu gosto já confunde-se ao meu
E me revira,
Me devora,
Me faz querer-te
E não mais largar-te.


Rayane Medeiros
Poetisa

Tempestade e calmaria




Nestes dias amargos
De pouca inspiração,
Exercito a minha paciência
Na sã consciência de que há
Um tempo para tudo
E para tudo um sentido
Uma razão de ser.
Contratempos, adversidades,
São intempéries que contrapõem
A vida de todo ser humano.
E não vale estigmatizar-se,
Praguejar a vida ante os desenganos.
Não que esteja em nossos planos a dor.
E não querer sofrer,
É não querer perder da vida o compasso.
Mas que todo compasso rítmico
Tem seus altos e baixos.
E nesta roda viva de possibilidades,
Somos barcos sem bússola
À mercê do vento.
No que me resta é guardar
O coração sereno, pleno de esperança.
Pois que toda tempestade, dá sempre lugar
A calmaria de um belo dia de sol.


Airton Cilon
Poeta

Revelação




Eis que ele vem:
Surgindo na escuridão
Profusa da mente,
No silêncio escuro
Do céu em breu.

E ele vem
Sorrateiro,
Em passos
Comedidos
Mas, ligeiro
Como o vento.

Cantando
Uma sonoridade
Esparsa,
Dedilhando
Uma melodia
De cores-vivas.

Invade
Este beco
De existência
Revelando-se
Diante de ti.

Em palavras,
Fragmentos,
Sintagmas-luzes
De poesia-viva.

Aí está!
Breve como a passagem
De um segundo morto,
O poema.


Itamir Vieira
Poeta

O Mago




Registro nos alfarrábios que tranco no baú,
Minhas receitas de antanho
Dos chás mais populares do sertão:
Cidreira – de aromáticas folhas;
Fedegoso – bico-de-corvo medicinal;
Manjerioba – fedegoso verdadeiro;
Jucá – contém sais de ferro;
Malva – nas folhas tem mucilagem;
Mastruço – crucífera é bom remédio!
E receito óleo de puraquê.
Ministro os uguentos da terra,
E curo qualquer bicheira
De animal; saro até ferida humana!
Sei fazer algum tanto de reza,
Orações poderosas,
E por elas consigo tudo:
Fecho o corpo do valentão;
Protejo da chuva que cai em bátegas,
Para não molhar a farinha ao relento;
Nem se incruentam os roçados!
Rezas de São Martinho,
De São Leão, do Conde!
E os três gritos a São Guino?
Acho qualquer objeto,
Ajunto qualquer desunião.
Sou capaz de ordenar e Fada perder o rumo!
Ela pisa numa cruz ta resolvido.
Medicastro metido a besta,
Dou-lhe uma surra com um pinhão,
Nunca mais engana ninguém!
O pinhão é meu preferido
Para os exorcismos que faço,
Pois seu poder é maior
Do que qualquer vegetal por aí.
Não, não sou feiticeiro convencido,
Nem sou mistificador somente,
Sou bruxo que mata a cobra, mostra o pau!
Aponto para qualquer vivente daqui
Onde cavar e beber de água boa.
Pois sim, meus irmãos destas bandas!
Vou mostrar como é que se escuta de dia
O bater da aluvião na rocha bruta.
E de noite, ouvir os gemidos
Dos espíritos das florestas encantadas.
Está bom, ou quer mais?
O Mago perguntou...


William Lopes
Poeta

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Vida louca




Vivendo nessa vida louca,
Tentando entender o que sou,
Tentando achar o meu ritmo,
Vivendo sem saber o que sou,
Fico aqui pensando, de cabeça baixa,
Sem saber o que estou falando,
Tentando não me tornar o que mais me abomino...
Nessa vida louca, tento entender o que sou,
Acho que sou um quebra-cabeça, um jogo de horror.
Com medo de não ser algo que eu mesmo queira,
Com medo de me tornar uma coisa diferente do que eu seja,
Pensando nos meus problemas, assim estou.
Fico, aqui, nessa vida louca,
Sem saber onde estou,

Com dor de cabeça estou...
Não aguento mais pensar
Em algo que eu tenha, que eu possa me tornar...
Levando essa vida louca, não sei mais o que sou.
Esperando minha vez,
Esperando meu presente,
Nesse mundo desistente.
Um dia fiz coisas que não posso imaginar.
Se eu mesmo te falasse você não ia acreditar.
As coisas que eu fiz, hoje quero esquecer.
Me arrependo de quase tudo,
Só não de saber...
Saber o que quero ser,
Pensar no que quero fazer.
Quero viver nessa vida louca,
Com algo que eu possa conviver.
Quero minha identidade, quero saber o que sou.
Não me vejo de verdade, pelas coisas que sou.
Não queria ser assim, eu queria ser apenas eu.
Não queria me tornar uma coisa abominante, pois esse já sou eu.
Hoje quero minha vida, mesmo nessa vida louca
Quero minha identidade, Para viver nessa poça!
Quando serei o que quero?
Esse dia eu espero!
Não consigo ser nada!
Sou pra mim uma desgraça.
Sou um homem de verdade,
Com pensamentos de mentira.
Eu queria me tornar
Alguém de verdade na minha própria vida.

Abraão Silva
Poeta

Incessante




Ah, essa incessante busca de ser feliz,
Essa busca incessante por ti.

Não se cala minha alma...
Sempre penso: como o mar, por ser tão imenso,
Não pode ser tão intenso quanto o amor que
Sinto por ti.

Ah, essa incessante busca de ser feliz,
Essa busca incessante por ti.

Amanheci hoje confiante...
Imagino a lua e o sol, vivendo distante...
Eles obedecem às leis do universo.
Eu não posso obedecer a esse processo,
Preciso de ti por perto.

Ah, essa incessante busca de ser feliz,
Essa busca incessante por ti.

Meu coração já bate cansado...
O vento balança as árvores, os galhos
Quase sempre não quebram,
A tua ausência faz quebrar meus desejos reais.

Ah, essa incessante busca de ser feliz,
Essa busca incessante por ti.

Dony Moreira
Poeta

Suicídio



É inútil tentar carregar, nas costas, a vida
Quando você não está
Segurando minha mão
Incentivando meus passos
Me fazendo sorrir...

E s p e r a n ç a

As pessoas morrem
Porque não conseguem viver sem ti.

Almoço de pedreiro


O sol quente que nem todo dia
A comida fria que a mulher preparou
A construção não pára
Engulo sem sentir sabor

Cabeça, corpo e alma vazia
Cansaço, a massa, a poeira e o odor
Nada observo, não escuto, não falo
Engulo sem sentir sabor

Um pássaro canta no céu
Quero levantar o olhos, mas não vôo!
O intervalo acabou.

Os tijolos, o concreto, o labor
A comida, a saliva e a vida
Engulo sem sentir sabor

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Tua Imagem



Quando meus olhos repousam em tua imagem
Me sinto mais forte e assim me refaço
Me recomponho e me renasço em tua imagem
E fico assim a te fitar
Como quem absorve uma energia pelo ar
Absorvo o gosto dos teus beijos
Mesmo sem sequer de tua boca provar
E assim, em mim, eu te disfarço
Sob o véu das incertezas de meu ego
Ego mórbido, por ti entorpecido
Renascido pelo gozo do teu ser
Quando mais uma vez em ti eu me repouso
Com os olhos a descansar em tua imagem.

Todo Adeus é assim



Os olhos marejando e cansados
Observam uma vez mais a imensidão
Deixada pra trás.
Um abraço forte e o pé na estrada.
Vontade de ficar (coração aflito)
Desejo de partir (coração na mão)
A quem vai e a quem fica a dor é semelhante,
Pois agora está distante
Aquela presença constante
A distância divide as vidas
Levadas a rumos opostos.
Todo adeus é assim:
Uma morte temporária,
Uma dor que só maltrata;
É sentir dentro de si
A falta que o outro deixou;
É olhar adiante
E sentir falta do que ficou.

Regresso



A porta aberta e as velhas coisas no lugar
Tudo estava como antes
Fisicamente igual
Os móveis na casa
As paredes e ar que respirava
Quis sentir-se como antes
Quis acreditar naquilo
Não havia, porém razões pra isso.
Por dentro tudo mudara
Era agora um estranho em seu ninho
Seu corpo mal se adaptava
E de noite, em silêncio,
Apesar de tanta gente,
Chorava em seu quarto sozinho.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A frente do verso


À todos que não são ninguém


Cuspi na face de quem amava

Beijei com gosto quem odiava

Sussurrei no ouvido de um surdo

Gritei interrompendo um mudo

Subi em baixo da escada

Desci por cima da sacada

Tirei a roupa despido

De barriga cheia sem ter comido

Bati asas no subterrâneo

Energizado a urânio

Liguei pra mim desocupado

Não atendi desinteressado

Costurei cuidadosamente a boca sem linha

Falei ao teria a respeito do tinha

Nessa existência faleci a vida inteira

Com espaço no centro andava na beira

Fui todo tempo o que não era

Era todo tempo a frustração do que não tinha sido

Morri exatamente no dia que havia nascido

Ad Eternum



Sempre os mesmos rostos

Sempre as mesmas alegrias

Os mesmos desgostos

Os mesmos apoios e covardias


Sempre os mesmo inicios

Para o mesmo final

As mesmas virtudes e vícios

O mesmo bem e o mal


A paz da branca Pomba

O lúgubre negro Corvo

A celebração com bomba

De hidrogênio e seu estorvo


O mesmo riso falso

O mesmo pão com ovo

Outro inútil voo que alço

Nesse poético “ir de novo”

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Ensaio sobre teu olhar




Como uma multidão,
Assim é o teu olhar;
Rompe esta manhã
Anunciando claridade,
Luz.

II

Na matéria vã da existência,
O olhar sereno, a luz amena.
Sobre as águas do Eu,
Ali, afogado, vai se desdobrando
Este dia iluminado.

Sim, esta matéria vã me presenteia
As cruciais horas e incendeia
O corpo como quem massacra
O momento e sua morada.

Como uma nuvem que se vai,
Assim, se desfazendo,
Teu olhar é como a vela,
A solidão do Todo,
O mais sereno.

Dentro do Eu, agora,
Essa nódoa prossegue
Sua mancha precisa
Na carne que a discerne...
Está por toda parte
Sua dimensão de mancha;
Está na própria existência,
Na cisma, na lembrança.

III

Algumas palavras se gastam,
Se assemelham ao dinheiro comum
Que sempre usamos...
Algumas palavras,
Como a própria vida,
Se dilaceram –
Flor jogada na calçada,
Luz do sol apenas refletida,
Os carros e a solidão da estrada.

Algumas palavras se gastam
De tanto se avizinhar a outras
Tantas palavras plenas de nada,
Desatentas palavras...

Algumas palavras são gastas
Antes de sua exaustão...
Se gastam de não ser usadas,
Se perdem na multidão
De outras nunca pensadas...

Algumas nunca existiram
Na plenitude exata...
Como embrião do ser –
Indefinida morada.

Estas palavras me acenam
Da solidão do Não-Ser-Nada –
Ali, onde espatifam
Seus corpos de apenas palavras...

Algumas se perdem na senda –
O caminho, o anátema
Daquilo que foi tempestade;
Hoje, letra sonhada.

O que há de ser




Em cada olhar
Há uma noite escura
Nos sangrando
O infinito...
E quando
Em pupila
Seus reclames
Se dissolvem
Ou em brusco
Silêncio suas
Partes se completam,
Então o que há de ser
Reage ao simples
E ao constante.

Lábios-caramelo




Vi o sol desmanchando
Teus lábios-caramelo
E neles o doce de tua vida
Escorria larga e lentamente
Por tua face esquecida.

O senhor da morada



Esta longa noite
Em mim,
Assombrando meus instintos
Num instante
Como um abandono terno...

Esta longa noite
Está desenhada na fronte
Perdida – estas cores
Que me obrigam
À exaustão das horas...

Esta longa noite
- Também fria e plena –
Se infiltra na pele
Como uma dádiva
Me deixando aqui,
Solícito,
Mas senhor
De minha morada.

Num nebuloso breu de noite fria




Num nebuloso breu de noite fria
Sem que conta tomasse do impropério
De meu leito, imaculado anjo etéreo,
Nas impudicas máculas, dormia...

Mais vil fosse, de que modo veria,
Se já de juízo encontrava-me aéreo?
Qual a pálida tez, o olhar funéreo,
A todos meus desvelos, apreendia

Dentre os lábios frouxos de traço egrégio
Sutilmente, um sorriso me afigura
Maior não me seria o privilégio

E a gélida e translúcida estrutura...
Tomei-a! E foi tão doce o sacrilégio
Que doeu-me devolvê-la à sepultura.

Pedro Mota
Poeta

domingo, 14 de agosto de 2011

Paternidade



Aos Josés, Antônios, Joões e Elias
Com amor eu os escrevo e canto
Porque não há na vida maior encanto
Do que um pai, a maior das alegrias

Aos Santiagos, Franciscos e Agenores
Homens que não reclamam do fardo
De ter pela frente um horizonte amargo
Se for para ajudar seu filho em suas dores

Fábios, Pedros, Emanuéis e Rodrigos
Melhor é o pai do que mil amigos
Este é o amor de verdade

Aos Calixtos, Reginaldos e Andrés
Meus versos eu dedico a tu que és
Portador do dom da paternidade

Escrito há um ano para meu pai, Elias.

Sonhos de uma estrela




Certa noite, eu sonhei que era uma estrela.
Tinha vontade de viajar e conhecer o novo;
Queria novos sabores - quem sabe até amores...
E num mero instante, me fiz cadente.

Vaguei por muito tempo e parei no céu das arábias.
Conheci estrelas verdadeiramente sábias;
Daquelas que só tinha visto nos livros...
E lá recebi seus conselhos.

Lá me falaram das estrelas que viviam no mar.
Em princípio, duvidei: como podem viverem lá?
Não sentem falta das nuvens, do sol, e a lua?

Então me falaram: o mundo tem muito mais.
Desde então, passei a sonhar;
Sonhar com o céu que há no mar.

Luiz Luz
Poeta


O amor

Tenho medo do amor.
Tenho medo de suas
Crises ensandecidas.

Não tenho medo
Da morte, nem da vida
Que gritam seu aleluia
No silêncio
Das horas esquecidas.

Viver me causa
Espanto, somente.
Um espanto assim...
Cheio de excitações.

Reflexiva,
A vida passa e
Nesse instante
De fecundidade
A robustez do tempo
Crava em meu peito
Marcas de um viver
...embrutecido!?

O amor me causa
Inquietações,
É verdade!
Mas preciso dele
Para (sobre) viver.

Itamir Vieira
Poeta


Molduras

Um dia cansado, exaustivo de molduras montadas pelas ruas.
Meus singelos pensamentos me pegaram.
Meu amor estivera na tênue linha da infelicidade.
O acaso tomou conta de mim.
A necessidade da aceitação do que eu tinha nas mãos.
Sorrisos, aquela música, um belo dia.
Eu me perdi! Eu amei.
A bruta flor do querer, a magia do ser.
Não existe mais lugar em mim para o vão.
Eu quero ganhar, eu quero moldar, eu quero ser.
Quero ser aquela tarde primaveril daquele quadro.
Quero ser o muro pintado de cinza.
Nem branco nem preto, apenas cinza.

Carlos Felipe
Poeta


Palhacinho

De cara pintada, sorriso minguado
Vivendo piadas que lhe foram impostas,
Diverte o público com seus olhos aguados,
Encara as perguntas sem querer a resposta.

Vive a política do Império Romano,
Alegria do circo e dos seus domadores,
Que observam, atentos, por baixo do pano
De gola branquinha, respeitáveis senhores!

Não revela nem nega o dom verdadeiro
Mas vive fingindo-se de surdo e de mudo.
Adorável palhacinho, em seu picadeiro,
Vivendo as cenas de um completo absurdo!

Ana Rita Dantas
Poetisa


Reflexo

Teu rosto, reflexo
Que clareia a mim
Momentos, instantes,
Palavras, desejos
Que roubam meu sono
E me deixam assim.

Reflexo escondido
Que surge e se vai,
Mas deixa no peito
Vontade, tumulto,
Lembrança sofrida
Que em mim se esvai.

Teu rosto, reflexo
Do bem e do mal,
Alegra-me, enoja-me,
Perfura meu peito
Com um tiro fatal.

Aridiana Dantas
Poetisa


Ilustração: Salvador Dali

Poemas publicados no quadro Novos Poetas, GAZETA DO OESTE - www.gazetadooeste.com.br - caderno Expressão deste domingo, 14 de agosto




sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Flor de lótus




Que a delicadeza não morra em meio
aos prédios, ao tédio desta vida sem freio.
Que ela possa crescer em nosso peito,
posto que tem a força de tocar os corações
que perto, tão perto estão, se olharmos direito.

Sem a delicadeza de uma palavra,
de meia-palavra, daquilo que não é dito,
De que adianta ter vivido, e pela vida não ter passado
Suspirado e morrido?

Que delicado seja o olhar lançado
na mesma medida - compaixão sentida
para dentro e fora de nós.

Que surja da nossa lama mais profunda
Como a mais bela Flor de lótus.

Meu sol



Nos seus cabelos brancos eu faço uma trança
Enquanto a senhora, puxando da lembrança
me conta as inéditas histórias da sua vida
que de tão incansavelmente repetidas, sei todas de cor.
Gosto de ouvi-las.
Principalmente porque sei as palavras que vai dizer
e o momento exato em que vai sorrir.
Seu sorriso faz bem pra minha alma.
O seu abraço me faz ganhar o dia.
As orações que fazes por mim são meu alento,
e seus conselhos, o meu guia.
Os bilhetes que escreve com letras tortas
mostram quão especiais são seus cuidados.
O meu retorno pra casa não seria a mesma coisa
sem a sua espera no portão.
Gosto tanto de te ter presente.
Sinto apertar o coração
Só de pensar em dizer tudo isso no passado.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sensatez


Os dias de boemia se foram
Não vejo mais o rosto da mulher amada
Não vago mais pelas ruas à noite
Nem desenho mais teu corpo com meus lábios nas madrugadas
E se antes a embriaguez,
não me restou nem a garrafa!
Se antes tinha as ilusões iluminadas pela chama do cigarro
Hoje tenho apenas cinzas e memórias quase apagadas
Sou agora sensatez
Casa-trabalho-casa
e nada.

Precipitado


E eu que um dia me julguei maduro
Vejo-me agora como antes, inseguro.
E negando-me a aceitar o que já nem escondo
Sensações que me dominam
E por mim já não respondo
O mesmo e infantil desejo
Consumido por ilusões e realizado em pequenos gestos
Sutil, inocente e precipitada paixão!
Que me faz acreditar no improvável
E ser escravo desse céu que tanto almejo.

Confronto


Experimento agora as mesmas sensações de outras épocas
Provocadas por outros contextos
O mesmo lugar, a mesma pessoa, os mesmos medos.
Lágrimas que rolam sem sentido
Incertezas que me rondam insistentes
Diante de mim, a vida,
Mais uma vez batendo de frente com meus desejos...

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Cheiro




Invade
Minha alma
Como coisa imprudente,
Deixando um rastro
No espírito
Que há em mim.

Encontro




À Madame dos Sonhos


Nesta noite
Teu corpo –
Por onde,
Um dia,
Caminharei,
Senda ou vereda –
Instante de um olhar –
Teu corpo –
Meu semblante –
A queda,
O suor
Do imaginar.

Se amanhã os corpos
Encontrarem-se,
Será apenas
A lembrança de um encontro
E a solidão do que se quer.


Ilustração: Imagem da deusa Vênus

Pena




Soma e nada
Do que agora
Me surge,
Teu corpo
E teu semblante –
Eufóricos
De viver.


Ilustração: Salvador Dali

Sacrilégio




Converta-me
(Eu imploro)
À tua religião!
Do peito sempre aberto,
Da dádiva do ser.
Perversão.

Singrando
Vou seguindo
Nos mares de alguém
Inacessível.


Ilustração: Salvador Dali

Madame M. ou as pupilas do sonho




O sorrir,
Apenas
Aquilo
Que me consome
Por dentro,
O desejo de tê-la
Em seu momento.
Nunca, porém,
Tua chegada
Foi tão esperada
Nesta madrugada.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Adeus

Adeus, vou para onde dói menos
No porto, onde meu barco fica sereno
No sul, quero um clima mais ameno
Quero paz

Não! Quero mais é um amor turbulento
Que se exploda em mim a todo momento
Que meu coração bata rápido-lento
Tanto faz

A sina do que ama é esperar
O destino infeliz que virá
De ter no peito uma chama que se apagará.

Carta

Vou te esperar
Não me importa o tempo que leve
Mas amor, seja breve!
Eu posso me cansar

Vou me guardar
Porque seu beijo é o único que quero
Mas não demore! Porque te venero
Mas posso me desencantar

Ou me encantar por aquela
Que embora não tão bela
Está ao alcance dos olhos e mãos

A solidão e a tristeza são avassaladoras
E há outras, que mesmo não tão encantadoras
Podem conquistar meu coração.

Um soneto aos idiotas


A ti que tudo aceitas,
Que continues como estás
Dormes ligeiro quando te deitas
Na ignorante inocência, falsa paz

Tu, que a tudo engoles,
Não tens paciência para digerir
Beba depressa vários goles
Da alienação. Que doce elixir!

Seja feliz, nobre retardado
Livre-se do pesado fardo
De raciocinar. Esqueças!

Espero não ter te magoado
Com discurso tão amargo,
Por mais que tu o mereças.

Dia-a-dia


Fazer o fácil
Podar o verso
A torná-lo ágil
Palavras eu meço

Tempo pequeno
Muito a fazer
A rotina é veneno
Inimiga do lazer

Produzo
Ou morro
Do prazo
Eu corro

Descarto
O que é fútil
A arte
É inútil

Poesia
É vaidade
No dia-a-dia
De uma cidade.

Melodia da alma


Dorme em mim grande paixão que
Reluz ao ouvir de uma canção
Mil destinos de histórias e amores
Fartando-me de prazeres e de dores
Solfejando alegrias e pesares
Lapidando da vida situações e lugares
Singela, tão bela
Donde vem estes acordes que
Refazem a minha alma?
Mirando ao redor e procurando
Fazendo silêncio, ouvindo com calma
Soltei o ar, respirei e senti
Lavando a alma, tão lúdica
Sinto que estou a ouvir...

Música!

A síndrome da omissão


Descobri que pensar ofende
E que se posicionar machuca.
Quando foi que comecei
A armar a própria arapuca?

No dia-a-dia nós aprendemos
Que correto é ser omisso.
Não devo me importar com os erros
Nem à verdade ser submisso.

Incorreto
É aquele cara
Que faz tudo certo.

Sou esperto
E por isso não quero
A verdade por perto.

O arqueiro sorrateiro


Eu amo cedo
Me apego ao jeito
Ao gosto e ao cheiro

Eu tenho medo
De que fira meu peito
O cupido sorrateiro

Como escapo das flechas de tão maljeitoso arqueiro?
Posso correr das setas, mas elas me alcançam ligeiro
E como escapar de amar, se já pertenço a ti por inteiro?

Meu segredo


Te contarei algo. Não tenhas medo
Mas não fales por aí!
Sabias que eu guardo um segredo
Escondido bem aqui?

Eu o guardo a sete chaves
Mas a verdade sempre vem à tona
E será que tu já sabes?
Esse segredo nunca me abandona

É que hoje descobri o quanto te gosto
Mas não te surpreende, eu aposto
Já que eu nunca pude ocultar

Mas que graça tem um sentimento retido?
Se quero saber se ele é correspondido
O primeiro passo é te falar.

Soneto ao Cavaleiro dos Leões


Quão bravo és, guerreiro incomparável
De caráter que jamais se desmancha!
Mui honesto, de coração simples e amável
És tu, Dom Quixote de la Mancha

Tu que não temes nem fera, nem perigo
Nem profundidade ou qualquer altura
Sempre disposto a socorrer um amigo
És tu, nobre Cavaleiro da Triste Figura

Não buscas aplausos de nenhuma platéia
Desejas apenas o amor da bela Dulcinéia
E é isto que te move a praticar uma boa ação

Quis eu também um dia me achar louco
Para quem sabe ter ao menos um pouco
Da valente chama que arde em seu coração.