terça-feira, 30 de agosto de 2011
Odes do Catador
Caminho – o mundo é minha plena solidão,
Do que imaginei um dia ser minha salvação.
Catador de espumas – meu ser pleno de alegria –
É hoje silêncio e nostalgia;
Naquilo em que acreditava – piamente minha alma
Se rendia, ante esse deus em mim...
Cansado deste meu ser –
Apenas um entre milhares –
Passo a navalha na carne,
E sangro-me o que já fui...
Agora, pela rua, a solidão acumulada,
Meu ser se dilacera – mil fontes acabadas...
Quantas pessoas, meu Deus,
Quantos homens, agora, pela rua? (...)
Enquanto a madrugada em mim se avizinha
E quando milhares de exércitos já foram vencidos
E milhares de bocas beijadas, daquilo que sonhei,
Um dia, ser o irreparável instante.
Eu mesmo – esse ser impregnado de nada –
Já tive minhas ilusões perdidas,
Já tive – oh, Eu inebriante –
Um sonho além de mim!
Caminho pela rua,
A solidão me sufoca.
Quem sou, agora, depois da plenitude,
Senão a fagulha do que nunca me alcançou?
Sinto-me assim, desvairado, atento senhor
De Mim e nada mais.
Lá fora, meus eus se avizinham,
Eu cato as ilusões dos bosques.
Sou pleno e falho – secamente enluarado
Pela ideia de si.
Meu coração pranteia sonhos perdidos
E na escalada da noite – imensamente só –
Apenas teu corpo de acrobata me vigia
As pálpebras sem luz...
Escalo teu corpo, teus poros me ultrapassam a carne
Em despedida...
Sou mesmo plenamente a ferida
Do que me machuca a carne,
Do que me calcula a mente,
Do que me disseca os olhos...
Escalo teu corpo –
Oh, manhã! –
Teu corpo cingido de silêncio,
Teu corpo, sim, teu corpo além do virulento
Aspecto marcial!
Teu corpo – além das carnes e dos nervos –
Teu corpo – além dos ossos e tendões –
Teu corpo, minha Calipso isolada
Em sua ilha!
Teu corpo como névoa,
Teu corpo como inverno
Daquilo que sempre é cultivado;
Daquilo que sempre é arrancado.
Teu corpo uva – meu suco, meu vinho, meu devaneio...
Teu corpo pólvora, que explode o bem em mim...
Teu corpo em erupção – excêntrico ventre
Que desmancha as horas sabidas!
Sim, teu corpo de bailarina
Que desenha ilusões multiformes
Em minhas pupilas de avestruz!
Oh, este coração que gela
Solidões aniquiladas,
Que espreita os homens na esquina,
As conversas miúdas das mulheres em flor...
Sim, este coração que poderia não existir,
Batendo como um martelo dentro do peito,
Ferindo o que me restou da alma,
Expurgando o silente momento de mim!
Sim, este coração de pedra,
De aço,
De pó,
De carne soprada da boca de Deus.
Sim, este coração baila dentro de mim,
Quer sair, quer viver, quer sentir
O toque de tuas mãos pequenas,
O suor do teu rosto de abóbora,
O beijo de tua boca de avelã!
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reflexões
ResponderExcluir1.
há minas
em mim em explosões
desventrando-me
e cem ou mais reflexões
2.
fizeram-me
pensar nas horas
e tantas do pulsar
de meu corpo de forma inédita
neste céu vítreo onde desen
cavo espessos fantasmas espessos
3.
agora
mesmo agora
estou aqui sem padre
nem madre numa fria
nesta manhã em que me meti
4.
um cancro
me revolve há tempos
tenho pó dentro de mim
não tenho dó e não sei
onde isso tudo vai parar
como se parar fosse o caminho
ou morrer fosse outro caminho
5.
entre
o paraíso e o inferno
não consigo sair desta
nem com reza nem com ajuda
de deuses demônios de judas
e do gato de botas
6.
estou aqui
ancorado lado a lado
num relance de dados
a estalar dedos iodados
onde ando a sorver tua ira
contra tudo e contra mim
e contra todos que te arremessam
pedras nesse lixo cru abismo
7.
assim
como eu acenava
com a vida por um fio
ouvias os surdos nadas
a arderem pelas bordas inteiras
as texturas das armadilhas
8.
à procura
da véspera
lascas de carnes
expuseram teus ossos
em trapos e tudo que posso
no fosso (a)fundo traço
planos vários em retr
atos
9.
estou farto
desta línguaviva
solta e distante
que nos envolve
a vulva de saliva
que me mastiga
que te castiga
as fendas tecidas
10.
estou farto
desta poesia sem azia
sem língua e má digestão
que se perde anárquica
abortiva sem combustão
mas viva ativa altiva incerta
amarrotada
11.
não quero
o poema áspero e frio
sem riso a ranger dentes
ao avesso conciso
quero o poema a esvair-se
(s)em demônios em silêncios
suicidas
12.
quero o poema mudo
www.escarceunario.blogspot.com
Seu poema é legal. Parabéns.
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