terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Caracóis ou Das Nostalgias na Noite - III, IV e V




III

Igual a um caracol sigo, lentamente,
No desfilar das horas que se me apresentam,
Os longos caminhos que vou tecendo...

Não vejo caracóis em bandos,
Não vejo caracóis pelas ruas
Desfilando espantos e espasmos sombrios...

Minha predileção está no nada,
Onde me encaminho a cada momento
Como um solitário caracol em seu tormento...

IV

E para minha vida,
E para tudo, pois, que eu mirar
Que veja teus cabelos,
Tua boca, tua face,
Teu caminhar...

Desesperado por qualquer estrada,
Que eu veja a plena madrugada.

Que seja tão serena a vida,
Que seja apenas uma ilusão,
Que seja serenamente esguia,
Que seja a doce exatidão,
Que seja vida vivida,
Grata de ser, apenas, escravidão.

Que seja meu olhar contrariado
A vida que sempre hei sonhado!

V

Oh, caracóis!
Oh, rapsodos do nada!
Oh, rapsodos da escuridão!
Vates que se espremem dentro de suas casas!
Loucuras,
Devaneios,
Podridão!
Oh, asfixias que me aprisionam,
Que me matam como a uma presa!

Oh, tardes e noites e manhãs
E vãs alegrias ao amanhecer!
E abandonadas mulheres vestidas
Num lençol manchado!
Oh, apocalipses que incendeiam meu corpo,
Minha euforia!

Oh, assassinos da poesia!
Vós que andais em bandos
Como coveiros do nada
Arruinando a beleza da palavra!

Oh, assassinos da palavra,
Que degenerais as multidões ignaras
Com seus discursos e farsas!

Oh, assassinos da poesia!
Como bandos de pássaros negros,
Como bandos de esfarrapados,
Como uma multidão de alienados!

Oh, assassinos da poesia!
Vós que andais com dicionários!
Vós que dormis com manuais de literatura!
Oh, vós, que apodreceis a palavra
Com suas locuções inúteis,
Com suas observações infrutíferas!

Oh, assassinos da poesia!
Vós que andais em bandos
Como cachorros vira-latas,
Arruinando a beleza da palavra!

Oh, assassinos da poesia!
Oh, assassinos da palavra!
Até quando teremos de lhes suportar
A presença indesejável,
O olhar fatigado,
Como críticos em sepulturas,
Lápides que se corroem com o tempo!

Oh, assassinos,
Assassinos da palavra!
Vós que arrazoais de tudo,
Vós que penetrais no terceiro céu,
Vós que aniquilais o pequeno,
Contudo,
Permaneceis sob um véu!

Oh, assassinos, eu vos odeio!
Como odeio também
Suas malsãs
Palavras abjetas, e receio
As mesmas manhãs!

Oh, pobres assassinos da poesia!
Vós que aniquilais a vida da palavra!
Vós que privais o verbo de suas expansões,
Vós que dissipais a carne do menor!
Oh, imundos assassinos da poesia!
Eu vos odeio como um caracol odeia seus inimigos!
Fujo de vós como um caracol foge,
Pacientemente, de seus algozes!


PS.: Esta obra está sendo produzida numa máquina de escrever Erika, 1950, e, depois, digitada em um computador.


Um comentário:

  1. A parte V desse poema é uma verdadeira lição para os "Assassinos da poesia", pessoas pobres de espírito, que escrevem horrores em seus "textos", que se julgam grandes demais e maltratam os outros. Esse poema veio para revolucionar! Tomara que ele seja lido por muitas desses "pobres assassinos" e que sirva de remédio para curar a arrogância! Continue com essa ousadia que só você tem!Parabéns Mário!

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